Acidente de trabalho e suas consequências jurídicas

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Acidente de trabalho no local da empresa
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Breves considerações sobre o acidente de trabalho e suas consequências

Autor: Dr. João Lúcio Teixeira Jr.

Entre os países que compõem o bloco econômico do G20, classificado como uma organização internacional que reúne as maiores, e mais importantes economias do mundo, o Brasil ocupa a lastimável segunda colocação quando se observa o número de óbitos derivados de acidentes de trabalho, ficando atrás, tão somente do México.

Segundo os dados compilados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2012 e 2020 foram registradas 21.467 mortes de trabalhadores decorrentes de acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais.

Infelizmente, vivemos um tempo em que o trabalhador é visto como uma peça na engrenagem da linha de produção.

Ao ficar doente ou incapacitado, é imediatamente descartado e substituído, sem qualquer receio ou consideração.

Um acidente de trabalho enseja o surgimento de inúmeros direitos e obrigações, com efeitos que se irradiam na esfera do direito indenizatório, tanto quanto em relação aos aspectos previdenciários quanto em relação às obrigações da empregadora.

Por se tratar de tão amplo e relevante tema, restringiremos a abordagem exclusivamente a partir da perspectiva do trabalhador vitimado pela perda da capacidade laboral ou mesmo que tenha ido a óbito.

Acidente de trabalho e doença ocupacional

Conceituação, doutrina e jurisprudência.

Quando se fala em acidente do trabalho, está-se diante do gênero que abrange: acidente-tipo; doença ocupacional; acidente por concausa e acidente por equiparação legal, respectivamente, artigos 19, 20 e 21 da Lei 8.213/91. Todas essas espécies de acidente, uma vez tipificadas, produzem os mesmos efeitos para fins de liberação de benefícios previdenciários, aquisição de estabilidade e até mesmo para fins de crime contra a saúde do trabalhador.
Em relação aos efeitos do acidente no campo da responsabilidade civil do agente, devem estar presentes os elementos dano, nexo e culpa, ou nos casos de responsabilidade objetiva, o dano, o nexo e a atividade especial de risco. Sem tais elementos não há como responsabilizar o empregador pelo dano acidentário, ex vi do art. 7º, XXVIII, da CF, e art. 927 e parágrafo único do Código Civil.

José Affonso Dallegrave Neto:[1]

Entende-se por acidente tipo, ou típico, aquele em que o trabalhador é vitimado por um único evento, súbito e imprevisto, com consequências, geralmente, imediatas.

Diferentemente, as doenças ocupacionais se caracterizam por um resultado mediato e evolutivo.

O artigo 19 da Lei 8.213/91 conceitua acidente de trabalho todo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho dos segurados a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Ou seja, em síntese, qualquer sinistro decorrente da execução do contrato de trabalho, provocando lesão corporal que cause morte ou redução da capacidade laborativa.

Já em relação às doenças ocupacionais, a definição se encontra no artigo 20 da Lei 8.213/91, que são, basicamente, as enfermidades do trabalhador que se relacionam com a atividade profissional desenvolvida.

Em relação às doenças de caráter degenerativo e de origem congênita, somente nas hipóteses de que reste demonstrado que as condições de trabalho contribuíram para seu precoce surgimento ou agravamento, serão tidas como doença do trabalho.

Nesses casos, havendo culpa da empresa restarão equiparadas ao acidente de trabalho, inclusive para fins de estabilidade.

Ainda que a execução do trabalho não tenha sido a única e exclusiva causa do acidente, ou doença ocupacional, quando as condições de trabalho influenciarem diretamente para o surgimento do infortúnio, ocorrerá a concausa, ou seja, a doença será equiparada ao acidente do trabalho, conforme dispõe o artigo 21 da Lei nº8.213/91.

Neste sentido, a posição majoritária da doutrina e da jurisprudência.

Tupinambá Nascimento, se manifesta com propriedade ímpar acerca do tema:

… eventual lesão cumulativa entre o trabalho e algum fator preexistente, concomitante ou superveniente caracterizará a concausa e, por conseguinte, o acidente do trabalho, devendo-se lembrar que a causa laboral tem sempre vis atractiva sobre a causa não laboral.

Tupinambá Nascimento:[2]

No mesmo diapasão, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho:

Benefícios previdenciários acidentários

DOENÇA OCUPACIONAL. CONCAUSA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. Ainda que a atividade profissional não seja a única causa, se o tipo de atividade e a forma com que desenvolvido o trabalho prestado para o reclamado contribuem para desencadear ou agravar a moléstia, opera em favor da obreira o conceito legal da concausa, que se equipara ao acidente de trabalho, de acordo com o conceito de acidente de trabalho fixado pela legislação previdenciária. O dever de indenizar do empregador não exige nexo de causalidade exclusivo. Precedentes.

Tribunal Superior do Trabalho:[3]

Responsabilidade do Estado em relação às vítimas de acidente de trabalho e acometidos por doenças ocupacionais.

Como dito anteriormente, decorrem dos acidentes de trabalho inúmeras consequências jurídicas, entre elas a responsabilidade do INSS pelo pagamento dos benefícios previdenciários ao segurado.

Entre o rol dos benefícios previdenciários devidos à vítima e seus dependentes, citamos:

  • Auxílio-doença acidentário;
  • Auxílio-acidente;
  • Aposentadoria por invalidez;
  • Pensão por morte;
  • Reabilitação profissional;
  • Abono anual.

Com exceção da pensão por morte, os demais benefícios previdenciários possuem natureza transitória, podendo ser interrompidos com a cessação da incapacidade para o trabalho.

Em uma sucinta análise, pode-se assim conceituar os benefícios:

Auxílio-doença acidentário

Objetiva suprir a falta de remuneração do trabalhador no período em que se encontra afastado do trabalho por motivo de acidente ou doença ocupacional. A partir do 16º dia do afastamento, é devido o benefício pelo INSS.

Auxílio-acidente

Indenização mensal devida ao segurado quando, após a alta médica, constatar a consolidação das lesões provocadas pelo acidente ou doença do trabalho, com incapacidade laborativa e será pago ao beneficiário até a véspera de qualquer aposentadoria ou falecimento do beneficiário, em valor equivalente a 50% do salário benefício, independentemente do grau das sequelas.

Aposentadoria por invalidez

Caracteriza-se pela incapacidade para o trabalho e pela impossibilidade de sua reabilitação profissional. É declarada mediante perícia médica, gerando direito ao recebimento de 100% do salário-benefício, sendo acrescida de 25% nas hipóteses de “grande invalidez”, para custeio de despesas com assistência permanente de outra pessoa, como nas hipóteses de tetraplegia.

Pensão por morte

Renda mensal devida em quotas iguais aos dependentes do acidentado no valor de 100% da aposentadoria a partir do seu óbito, desde que a causa da morte esteja vinculada com o acidente ou a doença profissional.

Reabilitação profissional

Serviço de reeducação e reabilitação que objetiva o reingresso do acidentado no mercado de trabalho.

Abono anual

benefício acessório devido a todo segurado ou dependente que durante o ano civil recebeu prestações de auxílio-doença acidentário, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez ou pensão por morte e equivale a 1/12 por mês da prestação principal.

Garantia de emprego do acidentado

Estabilidade provisória decorrente do acidente de trabalho.

O artigo 118 da lei nº 8.213/91 a garantia da manutenção do contrato de trabalho, após a cessação do auxílio-doença acidentário, pelo prazo mínimo de doze meses, inclusive nos contratos por prazo determinado, como se infere da sumula 378, III, do Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 378 do TST

ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ACIDENTE DO TRABALHO. ART. 118 DA LEI Nº 8.213/1991. (inserido item III) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

I – É constitucional o artigo 118 da Lei nº 8.213/1991 que assegura o direito à estabilidade provisória por período de 12 meses após a cessação do auxílio-doença ao empregado acidentado.

II – São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a consequente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego.

III – O empregado submetido a contrato de trabalho por tempo determinado goza da garantia provisória de emprego decorrente de acidente de trabalho prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/91.

A propósito cumpre observar que o direito à estabilidade temporária decorre do afastamento laboral por período superior a 15 dias, independentemente do recebimento do auxílio-doença acidentário.

Acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador

Consequências jurídicas e indenização pelos prejuízos decorrentes do acidente de trabalho.

Estabelecidos, pois, os conceitos e princípios básicos que norteiam a questão do acidente do trabalho, examinaremos, a seguir, ainda que de forma sucinta, o instituto da responsabilidade civil do empregador em relação aos prejuízos decorrentes de eventual acidente de trabalho sofrido pelo empregado.

São elementos da reparação dos danos decorrentes do acidente do trabalho o dano material e moral, a culpa ou atividade especial de risco e o nexo causal.

Havendo, pois, acidente ou doença ocupacional que resulte em incapacidade laboral, provisória ou permanente, total ou parcial, surge o dano, capaz de ensejar o surgimento da responsabilidade pela sua indenização.

O dano pode ser dividido em material ou moral.

Conforme se verifica do artigo 402 do Código Civil, o dano material alcança os prejuízos consumados e os que eventualmente deixou de aferir em razão do sinistro.

Em relação aos danos acidentários há perfeita sintonia entre a legislação civilista e laboral, que se complementam, aplicando-se a totalidade das regras civilistas na esfera trabalhista.

Havendo lesão ou ofensa à saúde da vítima, estabelecem os artigos 949 e 950 do referido diploma legal que o ofensor indenizará o ofendido das despesas com tratamento e dos lucros cessantes até p fim da convalescença, além de outros prejuízos eventualmente apurados. Se da ofensa resultar diminuição da perda da capacidade laboral a indenização incluirá pagamento de pensão proporcional à extensão da lesão.

No tocante ao dano moral, tem-se que que sua caracterização ocorre quando verificada a existência de angústia, sofrimento, tristeza ou humilhação da vítima.

Culpa e responsabilidade do ofensor no acidente de trabalho

Considerações acerca da responsabilidade do empregador – Responsabilidade objetiva e subjetiva.

O instituto da responsabilidade civil se pauta, primordialmente, na culpa do agente. Normalmente, a responsabilidade é do tipo subjetiva, sendo que, somente em hipóteses específicas se adota a responsabilidade do tipo objetiva, que independe de culpa do agente.

O artigo 157, incisos I e II da CLT retrata as duas hipóteses de responsabilidade, senão vejamos:

Art. 157 – Cabe às empresas:

I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

No mesmo diapasão a previsão contida na Constituição federal, em seu artigo 7º, inciso XXII:

Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros, que visem à melhoria de sua condição social:

XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Decorre daí o entendimento de que o trabalhador tem direito de laborar em ambiente hígido e salubre, com redução e prevenção dos riscos da atividade.

Em relação às atividades de risco, tem-se que a responsabilidade pela indenização independe da apuração da culpa, conforme se depreende da leitura do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, que assim estabelece:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Sebastião Geraldo de Oliveira leciona de modo bastante elucidativo sobre o critério de atividade normal de risco:

Pelos parâmetros desse enunciado, para que haja indenização, será necessário comparar o risco da atividade que gerou o dano com o nível de exposição ao perigo dos demais membros da coletividade. Qualquer um pode tropeçar, escorregar e cair em casa ou na rua, ser atropelado na calçada por um automóvel descontrolado, independentemente de estar ou não no exercício de qualquer atividade, podendo mesmo ser um desempregado ou aposentado. No entanto, acima desse risco genérico que afeta indistintamente toda coletividade, de certa forma inerente à vida atual, outros riscos específicos ocorrem pelo exercício de determinadas atividades, dentro da concepção da teoria do “risco criado”. Se o risco a que se expõe o trabalhador estiver acima do risco médio da coletividade em geral, caberá o deferimento de indenização, tão somente pelo exercício dessa atividade.

Sebastião Geraldo de Oliveira:[4]

Vê-se, pois, que o provador de cigarro, o cortador de cana-de-açúcar, os motoristas rodoviários, entre outros tipos de trabalhadores, se submetem a riscos específicos em relação à saúde laboral, derivados de características próprias de suas funções, sendo que da análise pontual de tais fatores, emergirá a definição acerca do tipo de responsabilidade do empregador em relação ao dano sofrido, se subjetiva ou objetiva.

Nexo causal e as excludentes da responsabilidade

Por fim, em relação aos elementos que compõem a formação da responsabilidade civil decorrente de danos sofridos pelo trabalhador, cumpre examinar o nexo causal entre o fato e o dano.

Na esfera laboral, normalmente, o nexo causal se verifica que o dano decorreu de ato culposo do empregador.

Quanto à responsabilidade objetiva, o nexo causal se configura pela relação etiológica entre o dano da vítima e a atividade empresarial de risco ou perigosa.

De outra banda, as excludentes de responsabilidade podem afastar o nexo causal, tais como a força maior, o fato de terceiro ou a culpa exclusiva do agente.

Conclusão

Verificado o acidente ou doença ocupacional que resulte em incapacidade laboral, provisória ou permanente, total ou parcial, surge o dano, capaz de ensejar o surgimento da responsabilidade pela sua indenização.

Comprovado o fato, a existência de danos e o nexo causal entre o fato e os danos, surge a responsabilidade civil pela reparação do prejuízo à vítima ou seus herdeiros.

São devidos, na hipótese de morte a indenização por dano material, na forma do que estabelece o artigo 948 do Código Civil, o custeio de despesas realizadas com tratamentos e funeral, pensão mensal, entre outros.

Quando se verifica a incapacidade temporária para o trabalho, as regras para indenização se encontram estampadas no artigo 949 do Código Civil, alcançando as despesas do tratamento e os lucros cessantes até a convalescença, entre outros prejuízos tenha sofrido.

Para a hipótese de incapacidade permanente, total ou parcial, a indenização estender-se-á ao pagamento de pensão mensal, ainda que paga de uma só vez, proporcionalmente à depreciação sofrida pela vítima ou à sua inabilitação profissional.

No caso de morte da vítima, a reparação alcançará, além das despesas com tratamento, funeral e o luto da família, a prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Autor: Dr. João Lúcio Teixeira Jr.

[1] Dallegrave. José Affonso Neto. Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho. LTr, 6ª edição. P. 386.

[2] NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à lei de acidentes do trabalho. 5 ed. Rio de Janeiro: Aide, 1984. P. 33-34.

[3] TST; RR 0010975-54.2013.5.11.0015, 2ª Turma, Rel. Min. Delaide Miranda Arantes; DEJT 17.2.2017, p. 1050.

[4] OLIVEIRA. Sebastião Geraldo. Responsabilidade civil objetiva por acidente do trabalho – teoria do risco. Revista LTr, v. 68, p. 412, abril, 2004.


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